Um pouco sobre ética e cidadania ...
O passado não tem remédio, mas
é o mais importante espelho para o futuro.
Muitas democracias
contemporâneas, abertas, participativas, com sua visibilidade plena garantida
pela vigilância permanente dos institutos de controle e de defesa da sociedade
e do Estado, das mídias formais e sociais, estão em crise, violentadas por formas
sofisticadas e extremas de corrupção associadas ao exercício do poder. O poder
realmente corrompe? O homem é naturalmente bom e na sociedade se humaniza ou se
corrompe? O homem é ruim em sua natureza e na vida em sociedade se humaniza?
Ou…? E o homem imagem e semelhança de Deus?
Para Hobbes, o homem é ruim em
estado de natureza e fica ainda pior na vida em sociedade. Afirma Locke que ao
nascer o homem é uma tábula rasa, uma folha em branco, em si mesmo não sabe o
que é o bem ou o mal, mas tende para o bem e se humaniza na vida social. Em
oposição, Rousseau diz que o homem nasce livre, mas por toda a parte está
acorrentado, em sua natureza o homem é bom, mas a sociedade o corrompe.
A vida é um ato naturalmente
política e àquele que primeiro estabeleceu o Estado se deve o maior bem porque
se o homem, atingida a sua perfeição, é o melhor de todos os animais, também é
o pior quando vive sem leis ou justiça. Terrível calamidade, a injustiça com
suas armas aviltantes. A sociedade política, por ser a mais perfeita das
associações, visa ao mais perfeito dos bens, que é a felicidade obtida pela
virtude.
A política é ciência e arte e
a ação política que não é capaz de realizar o bem comum serve aos senhores das
trevas, que submetem as razões de Estado às perniciosas razões de governo, os
legítimos interesses dos governados sufocados por interesses escusos dos
governantes e de seus protegidos, vampiros da nação. Quando a ética não impera
sobre a consciência da ação política, a crise pode se transformar em caos.
Sócrates foi preciso: o mais capaz de fazer o bem é exatamente o mais capaz de
fazer o mal. Quando os guardiões das leis e do governo o são apenas em
aparência arruínam a vida em sociedade.
A questão é clássica, merece
um permanente olhar para o passado com suas imprescindíveis lições. De um lado,
Sócrates, defendendo a ética de princípios, a justiça como valor supremo,
fundamento de toda ação, os homens justos e sábios buscando a unidade, o bem
maior. Temendo a omissão do homem bom e a corrupção, Sócrates insistia há 2.450
anos ser indecoroso pleitear o poder. Para o mestre, os bons não querem
governar por dinheiro ou por honras, não são ambiciosos. Devem ser induzidos a
governar e até coagidos pelo temor de castigo. E o maior castigo está em ser, o
que recusa, governado por um homem pior. Em uma cidade formada apenas por
homens justos e sábios haveria luta para não governar, como sempre há para
governar.
Falar de poder e de ética
impõe lembrar Maquiavel que, desejando a unidade italiana, em1513 escreveu De
Principatibus, à época a Itália espoliada, dividida por três grandes forças: os
príncipes, a Igreja e os exércitos mercenários. O príncipe perfeito, com
fortuna e virtú, capaz de conquistar e manter a unidade italiana, teria a força
do leão e a astúcia da raposa e governaria um Estado aético comprometido com a
eficiência. Toda ação destinada ao bem maior, a unidade italiana, seria
legítima. Apenas neste sentido os fins justificariam os meios.
O poder e a corrupção voltaram
como questões fundamentais em Montesquieu em 1748, opondo-se a toda forma de
despotismo. “O poder corrompe… É preciso que, pela disposição das coisas, o
poder limite o poder”. Ao lado de Locke e de Rousseau como pais da democracia
representativa, em O Espírito das Leis, Montesquieu estruturou teorias sobre
tripartição do poder e sobre freios e contrapesos, pilares do Estado Democrático
de Direito.
No século 21, em algumas
democracias, o poder não limita o poder, governar não é remediar os males
alheios e a ética não é essência do poder. A corrupção está em toda parte,
especialmente onde jamais poderia estar, nos poderes públicos, praticada por
gente que deveria ser exemplo de dignidade e de honra e pautar sua vida na
realização do bem comum.
Ao longo da história do
Brasil, a Constituição e outros instrumentos de defesa da sociedade e do Estado
têm permitido muito dolorosos períodos de trevas entre o arbítrio e a
impunidade, quando razões de governo violentam razões de Estado, portanto,
subordinando os elevados ideais do Bem Comum aos interesses indignos de
detentores do poder e dos que vivem à sua sombra. O arbítrio e a impunidade sangram
a nação, desonram a cidadania, aviltam a condição humana. O arbítrio e a
impunidade são absolutamente inaceitáveis!
Poder, corrupção e o injusto
perfeito em sua sombra protetora. Sócrates, perseguindo a Ideia do Bem,
identificou virtudes humanas de que os sofistas conheciam apenas sombras.
Quando os homens bons e justos se confortam em suas virtudes, disso se
aproveitam leões e raposas humanas. Sócrates, olhai por nós! Qualquer forma de
corrupção é absolutamente inaceitável! Praticada por autoridades públicas, é
crime hediondo. Ou não?
FONTE:
CHAVES, R. A democracia, a ética e o poder. Disponível em https://www.dm.com.br/opiniao/2016/03/a-democracia-a-etica-e-o-poder.html
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