Ciberbullying.
Todo mundo que convive com
crianças e jovens sabe como eles são capazes de praticar pequenas e grandes
perversões. Debocham uns dos outros, criam os apelidos mais estranhos, reparam
nas mínimas "imperfeições" - e não perdoam nada. Na escola, isso é
bastante comum. Implicância, discriminação e agressões verbais e físicas são
muito mais frequentes do que o desejado. Esse comportamento não é novo, mas a
maneira como pesquisadores, médicos e professores o encaram vem mudando. Há
cerca de 15 anos, essas provocações passaram a ser vistas como uma forma de
violência e ganharam nome: bullying (palavra do inglês que pode ser traduzida
como "intimidar" ou "amedrontar"). Sua principal
característica é que a agressão (física, moral ou material) é sempre
intencional e repetida várias vezes sem uma motivação específica. Mais recentemente,
a tecnologia deu nova cara ao problema. E-mails ameaçadores, mensagens
negativas em sites de relacionamento e torpedos com fotos e textos
constrangedores para a vítima foram batizados de cyberbullying. Aqui, no
Brasil, vem aumentando rapidamente o número de casos de violência desse tipo.
No espaço virtual, os
xingamentos e as provocações estão permanentemente atormentando as vítimas.
Antes, o constrangimento ficava restrito aos momentos de convívio dentro da
escola. Agora é o tempo todo.
Os jovens utilizam cada vez
mais ferramentas de internet e de troca de mensagens via celular - e muitas
vezes se expõem mais do que devem. A
tecnologia permite que, em alguns casos, seja muito difícil identificar o(s)
agressor(es), o que aumenta a sensação de impotência.
Esse tormento permanente que a
internet provoca faz com que a criança ou o adolescente humilhados não se
sintam mais seguros em lugar algum, em momento algum. Na comparação com o
bullying tradicional, bastava sair da escola e estar com os amigos de verdade
para se sentir seguro. Agora, com sua intimidade invadida, todos podem ver os
xingamentos e não existe fim de semana ou férias. "O espaço do medo é
ilimitado", diz Maria Tereza Maldonado, psicoterapeuta e autora de A Face
Oculta, que discute as implicações desse tipo de violência. Pesquisa feita este
ano pela organização não governamental Plan com 5 mil estudantes brasileiros de
10 a 14 anos aponta que 17% já foram vítimas de cyberbullying no mínimo uma
vez. Desses, 13% foram insultados pelo celular e os 87% restantes por textos e
imagens enviados por e-mail ou via sites de relacionamento.
Costuma ser tímida ou pouco
sociável e foge do padrão do restante da turma pela aparência física (raça,
altura, peso), pelo comportamento (melhor desempenho na escola) ou ainda pela
religião. Geralmente, é insegura e, quando agredida, fica retraída e sofre, o
que a torna um alvo ainda mais fácil. Segundo pesquisa da ONG Plan, a maior
parte das vítimas - 69% delas - tem entre 12 e 14 anos. Ana Beatriz Barbosa
Silva, médica e autora do livro Bullying: Mentes Perigosas na Escola, cita
algumas das doenças identificadas como o resultado desses relacionamentos
conflituosos (e que também aparecem devido a tendências pessoais), como
angústia, ataques de ansiedade, transtorno do pânico, depressão, anorexia e
bulimia, além de fobia escolar e problemas de socialização. A situação pode,
inclusive, levar ao suicídio. Adolescentes que foram agredidos correm o risco
de se tornar adultos ansiosos, depressivos ou violentos, reproduzindo em seus
relacionamentos sociais aqueles vividos no ambiente escolar. Alguns também se
sentem incapazes de se livrar do cyberbullying. Por serem calados ou sensíveis,
têm medo de se manifestar ou não encontram força suficiente para isso. Outros
até concordam com a agressão, de acordo com Luciene Tognetta. O discurso deles
vai no seguinte sentido: "Se sou gorda, por que vou dizer o
contrário?" Aqueles que conseguem reagir alternam momentos de ansiedade e
agressividade. Para mostrar que não é covarde ou quando percebe que seus
agressores ficaram impunes, a vítima pode escolher outras pessoas mais
indefesas e passam a provocá-las, tornando-se alvo e agressor ao mesmo tempo.
O agressor atinge o colega com
repetidas humilhações ou depreciações porque quer ser mais popular, se sentir
poderoso e obter uma boa imagem de si mesmo. É uma pessoa que não aprendeu a
transformar sua raiva em diálogo e para quem o sofrimento do outro não é motivo
para ele deixar de agir. Pelo contrário, se sente satisfeito com a reação do
agredido, supondo ou antecipando quão dolorosa será aquela crueldade vivida
pela vítima. O anonimato possibilitado pelo cyberbullying favorece a sua ação.
Usa o computador sem ser submetido a julgamento por não estar exposto aos
demais. Normalmente, mantém esse comportamento por longos períodos e, muitas
vezes, quando adulto, continua depreciando outros para chamar a atenção.
"O agressor, assim como a vítima, tem dificuldade de sair de seu papel e
retomar valores esquecidos ou formar novos", explica Luciene.
Nem sempre reconhecido como personagem
atuante em uma agressão, o espectador é fundamental para a continuidade do
conflito. O espectador típico é uma testemunha dos fatos: não sai em defesa da
vítima nem se junta aos agressores. Quando recebe uma mensagem, não repassa.
Essa atitude passiva ocorre por medo de também ser alvo de ataques ou por falta
de iniciativa para tomar partido. "O espectador pode ter senso de justiça,
mas não indignação suficiente para assumir uma posição clara", diz
Luciene. Também considerados espectadores, há os que atuam como uma plateia
ativa ou uma torcida, reforçando a agressão, rindo ou dizendo palavras de
incentivo. Eles retransmitem imagens ou fofocas, tornando-se coautores ou
corresponsáveis.
Luciene Tognetta, da Faculdade
de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que por
volta dos 10 ou 12 anos a criança passa a buscar, no convívio social,
referências diferentes das que sempre recebeu em casa, dando continuidade ao
processo de construção de sua personalidade. "Essa é a época de aprender a
lidar com a própria imagem. Se essa criança se conhece e gosta de como é,
consegue manifestar sentimentos e pensamentos de maneira equilibrada. Do
contrário, pode sentir prazer em menosprezar o outro para se afirmar."
Logo em seguida, juntamente
com a entrada na adolescência, vem a necessidade de pertencer a um grupo. Nesse
momento, basta sair um pouco do padrão (alto, baixo, gordo, magro) para ser
provocado. Foi o que aconteceu com Aline, 14 anos. Ela recebia mensagens de uma
colega falando que estava gorda. A agressora, que a ameaçava e a proibia de
contar sobre essas conversas, mandava também dietas e dizia que, caso não
perdesse peso, iria apanhar. A professora das duas lembra: "Ela fez de tudo
para agradar à colega e seguiu as indicações porque sentia medo. A escola e os
pais só desconfiaram que havia algo de errado porque perceberam uma mudança
repentina no comportamento da vítima".
O cyberbullying é um problema
crescente justamente porque os jovens usam cada vez mais a tecnologia - até
para conceder entrevistas, como fez Ana, 13 anos, que contou sua história para
esta reportagem via MSN (programa de troca de mensagens instantâneas). Ela já
era perseguida na escola - e passou a ser acuada, prisioneira de seus
agressores via internet. Hoje, vive com medo e deixou de adicionar
"amigos" em seu perfil no Orkut. Além disso, restringiu o aceso ao
MSN. Mesmo assim, o tormento continua. As meninas de sua sala enviam mensagens
depreciativas, com apelidos maldosos e recados humilhantes, para amigos comuns.
Os qualificativos mais leves são "nojenta, nerd e lésbica". Outros
textos dizem: "Você deveria parar de falar com aquela piranha" e
"A emo já mudou sua cabeça, hein? Vá pro inferno". Ana, é claro, fica
arrasada. "Uso preto, ouço rock e pinto o cabelo. Curto coisas diferentes
e falo de outros assuntos. Por isso, não me aceitam." A escola e a família
da garota têm se reunido com alunos e pais para tentar resolver a situação -
por enquanto, sem sucesso.
Pesquisa da Fundação
Telefônica no estado de São Paulo em 2008 apontou que 68% dos adolescentes
ficam online pelo menos uma hora por dia durante a semana. Outro levantamento,
feito pela ComScore este ano, revela que os jovens com mais de 15 anos acessam
os blogs e as redes sociais 46,7 vezes ao mês (a média mundial é de 27 vezes
por semana). Marcelo Coutinho, especialista no tema e professor da Fundação
Getulio Vargas (FGV), diz que esses estudantes não percebem as armadilhas dos
relacionamentos digitais. "Para eles, é tudo real, como se fosse do jeito
tradicional, tanto para fazer amigos como para comprar, aprender ou combinar um
passeio."
FONTES:
SANTOMAURO, Beatriz. Cyberbullying: a violência virtual. 2010. Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/1530/cyberbullying-a-violencia-virtual>. Acesso em: 13 out. 2017.
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